A memória primordial do descobrimento do Brasil: Análise dos manuais brasileiros de história
DOI:
https://doi.org/10.17575/rpsicol.v17i2.450Palavras-chave:
-Resumo
Este artigo sintetiza as análises realizadas quanto ao conhecimento veiculado sobre o descobrimento do Brasil nos manuais escolares brasileiros. O facto de constituir uma informação recebida pelos estudantes de forma sistemática e já a partir de pouca idade, contribui decisivamente para configurar, mais do que um saber, algo como uma memória primordial de tão importante acontecimento histórico. A metodologia empregue consistiu na análise do conteúdo dos capítulos relativos ao período que antecede o descobrimento do Brasil até à colonização em nome manuais escolares utilizados no ensino público fundamental e médio no Brasil. A análise de textos foi realizada através da técnica de análise de lexemas de co-ocorrentes num enunciado simples de texto, utilizando-se o software Alceste 4.5. Foram compostos quatro corpus de análise: o primeiro contexto do conjunto de todos os textos; e os três restantes constituídos, respectivamente, pelos textos relativos aos períodos históricos do pré-descobrimento, do descobrimento e do pós-colonialismo. O resultado da análise do conjunto de textos revela a segmentação do conteúdo em cinco classes temáticas, que se referem: aos primeiros habitantes da nova terra; ao expansionismo português; ao comércio europeu e à busca de novas rotas comerciais; à expansão marítima europeia; à organização política, social e económica da Europa. No corpus do período do descobrimento observaram-se quatro classes temáticas, a propósito de: a intencionalidade da viagem de Cabral; o quotidiano indígena; a chegada dos portugueses e as riquezas da nova terra; o domínio dos povos através da escrita e da tecnologia. No corpus relativo ao período do pós-descobrimento são observadas seis classes, abordando: o etnocentrismo branco; o período pré-colonial; as capitanias hereditárias; a escravidão negra no Brasil; a exploração colonial portuguesa; a dominação e a aculturação indígena. Nas quatro análises realizadas salientam-se, com efeitos estruturantes sobre a memória do descobrimento, duas temáticas centrais: as questões comerciais portuguesas e europeias e a questão indígena. Os resultados revelam ainda uma orientação comum entre os autores dos diferentes manuais, o que pode responder pela homogeneidade frequentemente assinalada da memória primordial. Caracteriza-se tal tratamento comum por: uma narrativa factual com pouca análise dos processos e factos históricos; um posicionamento de defesa dos sujeitos explorados, sobretudo dos índios; o privilégio a uma perspectiva económico-comercial do descobrimento do Brasil, em detrimento de uma visão humana e social do mesmo processo. Concluindo, os textos analisados ressaltam a negatividade da colonização, ao expressarem uma visão crítica do tratamento dado pelos colonizadores aos índios e negros, da exploração económica e da imposição cultural. Não deixam, entretanto, de enfatizar o carácter empreendedor europeu no período das navegações e da expansão colonial.